Um carabineiro fiel à Republica
Nasceu em Oliva de la Frontera (Badajoz) a 3 de Março de 1897, primeiro filho de Juan Velázquez e Josefa Vellarino Cumplido. A 1 de Julho de 1918 ingressou no Regimento de Infantaria Castilla 16, e a 3 de Novembro de 1920 no Cuerpo de Carabineros da Comandancia de Badajoz. A 23 de Setembro de 1924 casou com Valeriana Garcia Macarro de 21 anos de idade, natural de Oliva de la Frontera. A 1 de Agosto de 1926 foi promovido a cabo carabineiro e transferido para o Cuerpo de Carabineros da Comandancia de Navarra. A 2 de Julho de 1927 nasceu em Navarra o primogénito Aurélio, e a 1 de Agosto de 1928 o filho Juan. A 1 de Fevereiro de 1929 Fermín Velázquez regressou à Comandancia de Badajoz, e a 15 de Agosto de 1931 nasceu em Oliva de la Frontera a filha Gracia. A 29 de Julho de 1933 Fermín firmou o compromisso de “ser fiel a la Nación y leal al Gobierno de la Republica”, e no mesmo ano nasceu em Oliva de la Frontera a sua filha Antonia. A 30 de Janeiro de 1936 é proposta a promoção a sargento, e a 18 de Julho deflagrou o golpe militar.
Integrado na coluna militar do general Puigdendolas participou na defesa de Santos de Maimona contra o avanço das forças nacionalistas, chefiando a única secção de carabineiros que actuou nesta ofensiva militar. Na defesa de Badajoz foi comandado pelo capitão Luis Suárez Codes, fiel à Republica até à fuga para Portugal depois da tomada da cidade pelos nacionalistas. Após a queda de Badajoz Fermín Velázquez regressou ao seu posto fronteiriço de Pozo Campo (Oliva de la Frontera), e foi nomeado pelo Alcalde para restabelecer a ordem pública e organizar a resistência.
A 21 de Setembro de 1936, após a ocupação de Oliva de la Frontera pelas forças nacionalistas, centenas de republicanos atravessam a fronteira portuguesa sem a garantia de serem recebidos pelo governo de Salazar como refugiados políticos. Os militares portugueses improvisam dois “campos de refugiados” em Barrancos, até ser decidido oficialmente o seu destino. Fermín Velásquez assume a função de administrador do campo da Coitadinha, como responsável pela recolha de verbas para aquisição e distribuição de alimentos e defensor dos interesses dos seus compatriotas, tendo com ele a mulher e os quatro filhos.
Chegado a Tarragona, apresentou-se na Divisão Geral do Comando de Carabineiros de Madrid e foi integrado no 5º Regimento, combatendo nas frentes de Huesca, Zaragoza e Teruel. Durante a guerra foi promovido a tenente em Dezembro de 1936, a capitão em Agosto de 1937, e em Dezembro de 1937 ascende por mérito ao posto de major do exército republicano. A 3 de Maio de 1938 nasce em Barcelona o seu filho Fermín. Terminada a guerra, sua mulher com os cinco filhos partem para o exílio em França, enquanto Fermín é agregado ao Comando de Carabineiros de Valência. A 18 de Abril de 1939 apresenta-se com os seus companheiros de armas no Comando Militar de Badajoz, ficando detido até 22 de Abril no Campo de Concentração de Mérida, do qual é transferido para o Campo de Concentração de Castuera, aguardando julgamento. A 22 de Setembro de 1939, reunido o Conselho de Guerra na Praça de Mérida, é proferida a sentença: “debemos considerar y condenar al procesado Fermín Velázquez Vellarino a la pena de muerte como autor del delito de Rebelión Militar.”
A 14 de Janeiro de 1940 ingressou na prisão Provincial de Bilbau (Larrinaga, 2ª galería celda 49), mas a 1 de Maio a pena foi revista para “delito de Adhesión”, e comutada pelo Ministério do Exército Assessoria y Justiça para trinta anos de reclusão maior. A 14 de Maio de 1940 foi transferido para a Prisão Central de Orduña, enquanto sua mulher e os filhos regressam a Oliva de la Frontera provenientes de um campo de concentração de refugiados em França, encontrando a casa saqueada. A 23 de Maio de 1940 Valeriana intercede por Fermín junto do Auditor de Guerra:
A 12 de Dezembro de 1941 Fermín é transferido para a prisão de Cellanova de Orense para cumprir a pena de 27 anos, 5 meses e 20 dias. A 11 de Junho de 1943 a pena é comutada para 12 anos e um dia, e a 1 de Julho é apresentada uma proposta de liberdade condicional, com pedido de parecer à Guarda Civil Rural, F.E.T. y de las J.O.N.S y Alcalde de Oliva de la Frontera, sobre a existência de algum impedimento ao seu regresso. A 14 de Julho de 1943 é-lhe concedida a liberdade condicional com residência fixa na Carretera Jerez 111-113, e enviada a respectiva documentação à Guarda Civil de Oliva.
O regresso de Fermín provocou alguma agitação no poder local, pela forma calorosa como foi recebido por antigos companheiros de armas, familiares e amigos. Segundo a carta do juez militar: “su llegada al pueblo ha organizado un enrarecido ambiente en todas las clases sociales, incluso en las de ideas izquierdistas, que, por engaño de él o de otros dirigentes, se enrolaran en las milicias y perdieran algún familiar.” Segundo o pedido de desterro proferido pelo Teniente Coronel Juez, Ángel Gómez Caminero y Márquez, do Juzgado 7 de la Capitanía General de la Primera Región Militar: “se contestó por las tres autoridades desfavorablemente, indicando la conveniencia de que fuera desterrado a más de 250 Km del pueblo por suyo historial, y mal ambiente que sobre él había en las personas honradas, como principal responsable de todo lo allí ocurrido.”
A 4 de Setembro de 1944 nasce em Oliva de da Frontera o seu filho Jacinto, e a 8 de Outubro Fermín é desterrado para Almendralejo, por ordem da Junta Provincial de Liberdade Vigilada de Badajoz. Em Almendralejo encontrou refúgio em casa das suas irmãs Guadalupe e Maria, confrontando-se com a escassez de trabalho, numa conjuntura económica de desemprego e fome que marcou o período do pós-guerra. A condição social de desterrado permitiu-lhe ser admitido pelo Ayuntamiento nas obras da estrada, mas a rotatividade entre os homens parados deixou-o sem meios de subsistência após duas semanas de trabalho. Na luta pela sobrevivência procura reatar amizades anteriores à guerra.
Na sequência deste contacto Fermín Velázquez recebe uma intimação para se apresentar no Tribunal Militar de Badajoz, e decide fugir rumo à fronteira portuguesa. Durante três anos Fermín viveu escondido em Barrancos (Portugal) trabalhando nas fincas da Comenda e Rio Gomes, protegido por proprietários rurais e comerciantes de café. Mas apesar de beneficiar de protecção, a sua permanência em Barrancos foi ameaçada pela delação, suporte fundamental à manutenção da rede repressiva em ambas as ditaduras ibéricas. A Guarda Nacional Republicana andava no seu encalço, enquanto Fermín mudava de lugares, até por fim se fixar no Montijo (Setúbal), onde trabalhou na finca Ramada Curto.
A 19 de Julho de 1947 encontrou o seu compatriota Brizido Carretero Lopez, natural de Roca de la Sierra (Badajoz), que tinha entrado clandestinamente em Portugal procurando trabalho. No caminho cruzam-se com dois polícias municipais, que Brizido cumprimenta em espanhol, originando um pedido de identificação. Como não estavam documentados foram detidos pela Polícia Municipal do Montijo e entregues à Direcção Central da PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado) em Lisboa. Na PIDE, os dois homens foram sujeitos a interrogatórios e posteriormente encarcerados na prisão do Aljube (Lisboa). Na sequência das averiguações são repatriados e entregues à polícia de Badajoz. A 26 de Agosto de 1947 Fermín ingressa na Prisão Provincial de Badajoz, sendo transferido a 10 de Maio de 1948 para a Prisão de Puerto de Santa Maria. A 17 de Agosto de 1948 é libertado, ficando com residência fixa em Almendralejo, Calle Aceuchal, 37.
A 27 de Agosto de 1948 é indultado, regressando a Oliva de la Frontera em regime de residência fixa na Calle Acenobralo, 37. Como nunca conseguiu arranjar trabalho o contrabando afigurou-se como única alternativa de sobrevivência. Aliás, na conjuntura económica do pós-guerra o contrabando converteu-se numa actividade fundamental à subsistência das famílias de trabalhadores rurais e dos “vencidos da guerra”. Na sequência desta actividade foi detido a 1 de Fevereiro de 1949 pela Guardia Civil de Rosal de la Frontera e encarcerado na Prisão Provincial de Badajoz com seu filho Juan até 11 de Fevereiro.
A 6 de Junho de 1951 recebe o certificado de Liberación Definitiva, e a 27 de Julho de 1955 é novamente detido por prática de contrabando, juntamente com Emílio Lucas Moreno, sendo libertados a 9 de Agosto após pagamento de pesada multa. Em 1956 fixa residência em Badajoz, com sua esposa e filhas. Dos seis filhos de Fermín e de Valeriana apenas Gracia permanece na Estremadura espanhola, todos os outros partiram para o exílio no seu próprio País, reconstruindo as suas vidas no anonimato das grandes cidades, como Madrid, Barcelona e Bilbau.
Fermín Velázquez Vellarino viveu e sobreviveu com a esperança de recuperar os seus direitos de cidadão, violentamente usurpados pelo golpe militar e pela ditadura de quarenta anos. Por isso, repetia muitas vezes ao filho mais novo: “no te preocupes, porque cuando entre el rey voy a tener todos mi derechos”. Morreu em 1972, resistindo em silêncio, esperando.
La Espera
[…] En el mar de nuestra vida, ha estallado una tormenta
Yo soy la nave que cruza, estas aguas turbulentas
Es mí farol la esperanza, y tú el puerto que me espera
Llegaré a ti, no lo dudes, cuando cese la marea
En el palo bien izada mi más gallarda bandera
Y voy traerte el regalo, de unas ilusiones nuevas
Que borrarán la memoria de la presente tristeza. […]
(Excerto da poesia escrita a sua mulher, na prisão de Larrinaga em 1940)
Referência bibliográfica:
Simões, M. Dulce A.,“Memórias e Silêncios; solidariedades transfronteiriças no pós-guerra de Espanha”, Revista de Estúdios Extremeños, Tomo LXV, Numero II: 1011-1040, 2009.
Em:
http://www.dip-badajoz.es/publicaciones/reex/rcex_2_2009/estudios_10_rcex_2_2009.pdf